sexta-feira, 18 de março de 2011

ENTREVISTA COM MANOEL DE BARROS

ENTREVISTA COM O POETA MANOEL DE BARROS

A Revista Leituras é uma publicação da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação financiada por um projeto da UNESCO. Seu objetivo é incentivar a competência leitora no ambiente escolar. A revista número 2-anoII, de março de 2007, trouxe uma entrevista com o poeta Manoel de Barros. Eis a entrevista:

Quando o Sr. Começou a escrever poesia?
Manoel: Pra não mentir eu acho que não sei. Com dez anos arrebentou uma brotoeja. Com 12 anos outra. Com 13 outras. A data pode ser escolhida. Mas penso que escrever mesmo na certeza de que fazia literatura foi aos 13 anos.

Manoel de Barros só foi reconhecido como um grande poeta depois dos 70 anos de idade, mesmo tendo publicado seu primeiro livro, Poemas concebidos sem pecado, em 1937. Como é para um escritor esperar tanto tempo pelo reconhecimento de sua produção? O poeta precisa ser um pouco teimoso?
Publiquei meu primeiro livro aos 19 anos. Ninguém me viu, publiquei aos 22, aos 28, aos 70 e ninguém me viu. Me acostumei com o silêncio. Eu sou conformado como um sapo.

Só em 199 é que o Sr. Lançou livros para crianças: Exercícios de ser criança. Há diferença em escrever para adultos e para crianças?
Acho que a palavra tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria. Nesse primeiro livro infantil talvez eu tenha aproveitado melhor a inocência das palavras.

Que poetas ou escritores foram essenciais para a sua formação? Quais os livros que o Sr. gosta de reler?
Ainda no Colégio São José, interno, eu li toda a literatura quinhentista portuguesa. Ria muito com Gil Vicente e tive vontade de ser Gil Vicente. Depois me deram Vieira, Vieira lisonjeava as palavras mais que a sua doutrina. Até hoje gosto de ler os quinhentistas portugueses.

O poeta Ezra Pound afirma que há três grandes procedimentos básicos da linguagem poética: a que explora a música, a imagem e a ideia. O Sr. concorda com esta afirmação? Se sim, de quais procedimentos sua obra mais se aproxima?
Tenho em mim uma certeza. Esta: o que marca a eternidade de um artista é a sua linguagem e não as suas ideias. Não suprimo as ideias, mas acho que em poesia elas são o acessório. Não são fundamentais. A imagem e a música são fundamentais. Poesia é armação de palavras com um canto dentro. A armação de palavras não seria para dar ideias, mas para transmitir encantamento.

No soneto A um poeta, Olavo Bilac refere-se ao trabalho do poeta de modo a sugerir uma penosa atividade de reescrita. O senhor também “trabalha e teima, e lima, e sofre, e sua” a cada poema?
Acho que todo artista leva essa dor. A busca da perfeição é uma dor incurável. Porque a perfeição foge sempre de quem a procura. Quando o artista pensa que atingiu o milagre estético, logo vai ver que não atingiu.

Com nasceu o amor pela poesia? A escola teve algum papel nisso?
Sabemos todos que poesia não se aprende na escola. Acho que é um dom que se vai mostrando devagar. Outros acham que poesia não é um dom _ é uma disfunção cerebral. É consequência de um parafuso a mais ou a menos na cabeça. Porque despraticar as normas é virtude em poesia.

Quais suas principais lembranças do período escolar? Houve algum (a) professor(a) decisivo para sua carreira?
Fui aluno interno do colégio São José do Rio de Janeiro. Havia lá um padre que ficou meu amigo e me mostrou e me indicou de literatura verdadeira, livros feitos com aplicação e vontade estética. Descobri meu gosto literário lendo tais livros.

Que conselhos daria a um professo que lhe perguntasse como despertar o gosto pela poesia em seus alunos?
Acredito no incentivo à leitura de bons livros. Não sei dar conselhos. Na minha pequena cidade havia um personagem de rua que sempre repetia esta frase: “Quem não ouve coseio, conseio ouve ele”.

O Sr. já afirmou que se aproximou do escritor Guimarães Rosa como se se aproximasse de um mito. Foi sua influência literária mais marcante? O Sr. conseguiria selecionar uma frase de Guimarães Rosa que gostaria de ter escrito?
Eu aprendera antes com Vieira que literatura é linguagem. Achei esse mistério no Rosa. Ele acrescentou esta frase na nossa conversa: “Escrever é renascer”. Fiquei com essa frase na minha vida.

O Sr. escreve regularmente, todos os dias? Tem alguma rotina para escrever?
Escrevo, leio, pesquiso palavras das 7 horas até 11 horas. Pode ser que escreva alguma coisa também.

O grande repositório de sua obra se encontra nas recordações de infância? Ou o que aconteceu ontem pode ser objeto de poesia também?
Tudo pode ser objeto de poesia, mas no meu caso as percepções da infância costumam entrar no poema e até comandar.

O Sr. disse ter gostado muito de receber, recentemente, o Prêmio Nestlé de Literatura “porque, além de dinheiro, terá um edição especial que será distribuída para bibliotecas e escolas de todo o país”. O Sr. costuma receber cartas ou outras manifestações de seus leitores?
Recebi alguns telegramas de amigos me cumprimentando pelo prêmio. Prezo muito o Prêmio Nestlé porque sei que a escolha do livro é feita por intelectuais da melhor qualidade.

O cenário e as gentes do Pantanal estão muito presentes na sua obra. Atualmente o Sr. reside em Campo Grande. Ainda mantém contato permanente com o ambiente pantaneiro ou dele se vale mais por memória? Dá pra imaginar um Manoel de Barros longe do Pantanal?
Não tenho mais frequentado as terras e as águas do Pantanal. Mas sei que minhas palavras são nutridas e fertilizadas pelo chão, pelas águas e pela natureza pantaneira.

Que livros o Sr. pretende ler nos próximos meses?
Tenho lido muito pouco nestes últimos anos. Ando relendo mais. Já escrevi que o livro mais novo que tenho lido é o Velho Testamento.

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