domingo, 22 de janeiro de 2012

SARAMINDA: O ROMANCE SENSUAL DE JOSÉ SARNEY



A maioria das pessoas lembra imediatamente de política quando se fala no nome de José Sarney. Mas além de figura pública, Sarney tem cadeira na ABL e vale a pena conhecer um pouco algumas de suas dezenas de obras. Saraminda, por exemplo, é um romance ambientado no garimpo de Caiena. A personagem-título, com seus seios amarelos e olhos verdes, destila sensualidade e atitude. Mulher de Cleto Bonfim, o rei do garimpo, ela era prostituta quando ele a arrematou  num leilão por 10 quilos de ouro. Regras morais não dizem muito para essa fogosa mulher que subjuga os homens diante de sua beleza e ousadia.
Mas não se pense que Saraminda era uma devassa ou ninfomaníaca. Ela não buscava necessariamente sexo, mas sujeitar os homens à sua vontade, “brincar com eles”. Ela mesma explica:
“Os homens são fáceis. A caça mais certa de apanhar. Eu brincava com eles, sabia a arte de seduzi-los, levá-los ao desejo insaciável, mas não me entregava. Não me dava vontade de me entregar. Eu queria sempre que eles tentassem de novo. Eram sujos, tinham cheiro de trabalho e pingavam ouro. Minha fidelidade a Cleto era não querer deitar com outros homens, mas eu fazia mais. Eu brincava com eles como com as bonecas. Eu tinha o prazer de me mostrar, o segredo deles me verem nua e fecharem os olhos com medo”.
O prazer de Saraminda era atiçar o desejo dos homens, enlouquecê-los. E mostrar sua nudez era uma de suas provocações prediletas, como no episódio em que manda chamar Celestino, o capaz de seu marido:
__ Celestino, mandei chamar você para que me visse, me olhasse, porque você sempre está me olhando com vontade de me ver.
__ Saraminda, não faça isso comigo, não posso trair Cleto. Por que você me escolheu para isso, menina?
Quando ele falou ‘menina’, sentiu que a palavra revelava um sentimento oculto de ternura que podia ser a barreira a transpor contra sua lealdade.
E ela pediu:
__ Me beija Celestino.
E Celestino fraquejou, beijou-a. Sentiu um gosto de veneno e saiu correndo, mas não passou da varanda, contido pelo rosnar forte de Leão, que ele rapidamente entendeu. Desse dia ele não esqueceria nunca. Ficou com raiva, amor e ciúme.
__ Leão, deixa ele sair e vem cá.
O cachorro afastou-se e Celestino seguiu o seu caminho. Não dormia mais, não pensava mais no trabalho, nem no ouro, só pensava no corpo de Saraminda.
Banhos de Saraminda no rio, sua paixão por um francês, cães estraçalhando um homem, o apogeu e decadência do garimpo, suicídio, enfim, muitas emoções perpassam o romance. A leitura de Saraminda flui de forma rápida e natural como as águas de uma correnteza. Lembra um pouco Gabriela, de Jorge Amado, mas ao contrário do combativo escritor baiano, Sarney evita assuntos políticos, até por imperativos lógicos. O romance é focado nas descrições poéticas e na fabulação regionalista, atentamente pesquisada por Sarney.
Como já vai longe a época da literatura de heróis ou mocinhos, os personagens tem seus pecados e infâmias expostos. Veja como a empregada de Saraminda descreve seus patrões:
__ Eu vim pra cá trazida por seu Bonfim. Trabalhava com ele. Quando Dona Saraminda ficou sua mulher de casa, amasiada, ele me trouxe para serviço dela. No princípio me fez mulher dele, quando chegava embriagado. Depois não me quis mais. Saraminda gostou do meu trabalho e me tem no seu serviço. Prometeu me dar uma casa em Caiena e um quilo de ouro. Mas é mulher viciosa. Nunca vi coisa assim. É de dia e de noite. Todo homem que olha quer agarrar. Mas não deita de logo, se torna difícil, eles ficam doidos e bestas como ficou seu Bonfim. Faz assim porque é fêmea diferente, basta olhar seus peitos. Se fosse como nós, já tinha apanhado muito.
Observe-se que ela diz que Saraminda é uma fêmea diferente. Através de detalhes como esse, é possível perceber que o autor de Saraminda não conseguiu fugir dos exageros da construção de uma imagem estereotipada de fêmea fatal. Segundo a Wikipédia, “ mulher fatal” ou femme fatale é o estereótipo da “mulher que seduz e engana o herói e outros homens para obter algo que eles não dariam livremente” (...) “ O  homem se torna obcecado, viciado e exausto, e incapaz de tomar decisões pessoais ou gerenciar sua própria vida pessoal”.  Assim como na música “Mulher nova, bonita e carinhosa”, de Amelinha, Saraminda consegue transformar Cleto em seu joguete, com sua malemolência e seu jogo erótico aparentemente despretencioso. Oferece a ele prazer, ciúme e dor. 
A intenção do romance é que o leitor, assim como Cleto e os demais homens, também se renda a essa mulher, que apesar de não ser a pioneira da sensualidade de nossas Letras e dos detalhes às vezes óbvios, tem potencial para figurar como mais um grande ícone na galeria de personagens femininas de nosso país.

Um comentário:

  1. muito interessante essa obra. nos desperta uma grande vontade de ler,e saber em que se resulta essa história,pois não esta voltado diretamente ao aspecto politico..

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