sábado, 28 de janeiro de 2012

“Entrevista” com Gregório de Matos Guerra, o Boca do Inferno.

Perguntas feitas por Belinha, autora do blog Estação da Palavra. As respostas consistem em versos atribuídos a Gregório de Matos.


Apesar de criticar o clero católico você ainda se confessa. Esclareça.
Gregório: Sempre que vou confessar-me, digo, que deixo o pecado; porém torno ao mau estado, em que é certo o condenar-me.

Acha que vai responder por seus pecados?
Gregório: Pagarei num vivo arder de tormentos repetidos sacrilégios cometidos contra quem me deu o ser.

Desculpe a indiscrição, mas que pecados tão graves o senhor cometeu?
Gregório: Várias juras cometi, missa inteira nunca ouvi, a meus Pais não obedeço; matar alguns apeteço, luxurioso pequei, bens do próximo furtei, falsos levantei às claras, desejei mulheres raras, cousas de outrem cobicei.

Então você considera a religião importante para o homem?
Gregório: Quem da religiosa vida não se namora, e agrada, já tem a alma danada, e a graça de Deus perdida.

O que você acha da Bahia?
Gregório: De dous ff se compõe esta cidade a meu ver um furtar, outro foder.

Mas qual o problema da Bahia? O que lhe falta?
Gregório:
Que falta nesta cidade? ....Verdade.
Que mais por sua desonra ....Honra.
Falta mais que se lhe ponha...Vergonha.

Mas a Bahia é uma cidade muito famosa, exaltada por muita gente....
Gregório: O demo a viver se exponha, por mais que a fama a exalta, numa cidade, onde falta Verdade, Honra, Vergonha.

Espera aí, mas a Bahia não é a única cidade com vícios e problemas...
Gregório: Não há nem pode haver desde o Sul ao Norte frio cidade com mais maldades, nem província com mais vícios.

Imagino que você ama a Bahia, então você sente então tristeza pelo estado em que ela se encontra?
Gregório: Que homem pode haver tão paciente, que vendo o triste estado da Bahia, não chore, não suspire, e não lamente?

Por que você fala mal dos frades?
Gregório: As lidas todas de um Frade são Freiras, Sermões e Putas.

E o poder judiciário? Qual o problema da Justiça?
Gregório: Anda a justiça na praça Bastarda, Vendida, Injusta.

Você também critica os fidalgos.
Gregório: No Brasil a fidalguia no bom sangue nunca está, nem no bom procedimento, pois logo em que pode estar? Consiste em muito dinheiro, e consiste em o guardar, cada um o guarde bem, para ter que gastar mal. Consiste em dá-los a maganos, que o saibam lisonjear, dizendo que é descendente da casa do Vila Real.

E os judeus, os chamados cristãos novos?
Gregório: Quantos com capa cristã professam o judaísmo, mostrando hipocritamente devoção à lei de Cristo!

Ao que parece você também se ressente de sua terra pelo fato de os pseudoletrados serem tratados como doutores, sábios, entendidos e os que de fato têm talento são incompreendidos.
Queimada veja eu a terra, onde o torpe idiotismo chama aos entendidos néscios, aos néscios chama entendidos.

Como vê a relação entre os brasileiros e os portugueses?
Gregório: Os brasileiros são bestas, e estarão a trabalhar toda a vida por manter maganos de Portugal.

Você acredita que o ser humano é mau?
Gregório: Todos somos ruins, todos perversos, só nos distingue o vício, e a virtude, de que uns são comensais, outros adversos.

E os piores são os que conseguem ficar mais ricos?
Gregório: Neste mundo é mais rico, o que mais rapa.

Mas há pessoas que não andam falando mal das outras...
Gregório: Quantos há, que os telhados têm vidrosos, e deixam de atirar sua pedrada de sua mesma telha receosos.

Também não é assim, eu, por exemplo, sou uma pessoa ilibada.
Gregório: Quem mais limpo se faz tem mais carepa.

Dizem que você desdenha até do nariz do governador Câmara Coutinho.
Gregório: Nariz de embono com tal sacada que entra na escada duas horas primeiro que seu dono.

Os calundus e os feitiços fazem parte da cultura negra. Você acha que devem ser valorizados?
O que sei, é que em tais danças Satanás anda metido.

Então você pretende continuar usando sua poesia para satirizar a tudo e a todos?
Gregório: Se souberas falar, também falaras, também satirizaras, se souberas, e se foras Poeta, poetizaras.

Você não tem medo de fazer sátiras a tanta gente?
Verdades direi como água,
porque todos entendais
os ladinos, e os boçais
a Musa preguejadora. Entendeis-me agora?

E para finalizar, quem é Gregório de Matos Guerra?
Gregório: Eu sou aquele, que os passados anos cantei na minha lira maldizente torpezas do Brasil, vícios, e enganos.


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