JESUS CRISTO E A LITERATURA, SEGUNDO OSCAR WILDE.
Por: Belinha (autora do blog)
Ler um romance não exige um grande
volume de conhecimentos e dotes intelectuais, mas reclama uma forma especial de
receptividade, que é a capacidade de entrega, de envolvimento, assombro,
maravilhamento. Oscar Wilde, em De
profundis e Balada do Cárcere de Reading, via em Jesus Cristo, menos a
figura religiosa da teologia e do Cristianismo, e muito mais o ser sensível
capaz de tocar as pessoas em cada gesto ou palavra que produzia; por isso não
teve dúvidas em afirmar que Cristo “se localiza ao lado dos poetas”. Para ele, “Mais
do que qualquer outra pessoa na história, ele desperta em nós aquela capacidade
de nos maravilhar para a qual o romance sempre recorre”. Sófocles e Shelley seriam companheiros de
Cristo. E a vida de Jesus, em seu dizer, “o mais maravilhoso poema”. Isso porque, segundo
ele, nem a tragédia grega, com seu espetáculo de piedade e terror, alcançou
mais dramaticidade que a vida de Cristo. Da mesma forma, na arte romântica,
nunca se viu um personagem com tamanha pureza e elevação. Avalia que no palco da vida do messias, sua
Paixão desperta a “simpatia do pathos”, que nem mesmo Dante, Shakespeare ou
Ésquilo, nem o conjunto de lendas e mitos celtas conseguiram concorrer. Na vida
do messias judeu, dor e beleza fundiram-se em só um elemento. Ele é o amante que amou em excesso e fez da
submissão e da agonia uma inusitada declaração de amor.
Como o poeta procura o inatingível
da expressão, Cristo buscava um bem difícil de alcançar: a alma do homem, essa
criatura tão volúvel. O poeta, embora de forma diversa, visa a alma humana também, e Cristo foi um poeta
que desempenhou seus versos na própria carne. Não foi visualmente idílica e bela
sua manifestação de afeto: foi contundente, sangrenta, arrebatadora. Mas não é
isso que se espera da arte? Que provoque, enlace, choque, provoque
derramamento?
Concordo com Wilde lembrando uma
frase do mestre: “Vende tudo que tens e dá-os aos pobres”. Ora, não é mais ou
menos isso que acontece na relação leitor-autor? O leitor precisa sair de si, para aceitar o
pacto de leitura e “viver” momentaneamente cada palavra lida. O autor concebe a
obra nas mesmas condições: despe-se do caráter descartável da cultura
adquirida, para fazer emergir seu fluxo criativo.
Jesus prescrevia que o homem
deveria ampliar as fronteiras de sua individualidade, passando a se importar
com o próximo. Wilde explica: “Ele deu ao homem uma personalidade ampla,
titânica. Desde tua vinda, a história de cada indivíduo é, ou pode tornar-se, a
história do mundo”. Ora, não existe arte
sem pluralidade, sem colocar-se no lugar do outro. Para Wilde, “ a arte fez de
nós espíritos miríades”.
Um artista precisa de muita
imaginação. Cristo era um visionário de imaginação sem limites: não via
distinção entre pessoas, classe e sexo. Para Oscar Wilde, ele via o ser humano
da mesma forma que o panteísta vê Deus.
“Ele foi o primeiro a conceber as
raças divididas como uma unidade. Antes do seu tempo, tinha havido deuses e
homens. Só ele entendeu, que nas montanhas da vida, só havia Deus e Homem (...)”,
ressalta Wilde.
Cristo mudou a relação humana com
a divindade. Quebrou a distância dessa relação e lutou contra os preconceitos
religiosos de sua época. Comparo isso à postura iconoclasta do artista. Romper
as tradições literárias significa, de início, ser incompreendido pelo público,
pela crítica e carregar por anos um legado com falsos estereótipos. Cristo fez
rupturas de pensamentos e também foi incompreendido por isso. Os judeus
esperavam a vinda de um Rei beligerante e altaneiro e se defrontaram com alguém
que dizia coisas singelas, como, “olhai os lírios dos campos”. Aliás, não conheço
frase mais poética do que essa. Como poeta, Cristo manifestava sua forte ligação com a natureza, ao mesmo
tempo em que afastava de si o dogmatismo farisaico, pois em vez de prescrever
áridos roteiros de orações e jejuns aos seguidores, ensinava outro caminho para
alcançar a plenitude e o desprendimento: “Olhai os lírios dos campos”.
A psicologia de Cristo é a de um
poeta. Ele não queria mudar politicamente o mundo de sua época. Aquele não era
o momento. Aceitava o governo dos homens. A literatura, como se sabe, também não
toma o espaço das leis, não muda a realidade. Ela se constitui uma forma de responder
à sede de entendimento da alma humana e de contemplação do belo. Mas
dificilmente muda as estruturas da realidade imediata.
Assim como o artista sonha com a
perfeição de sua obra, Cristo sonhava com um mundo e uma humanidade sem
imperfeições. Como um artista cego pela maestria de sua criação, estava
disposto a alcançar isso mesmo que precisasse oferecer a si mesmo como o sacrifício.
As aproximações de Cristo com o
pensamento artístico ou literário não se esgotam por aqui. Cristo não veio como
um repressor de condutas, mas um como amante apaixonado capaz de extremos por
sua noiva. Foi rejeitado por ela, assim como um eu poético rejeitado pela
amada. Sofreu por um amor não correspondido, como um poeta chora em versos por
ser desprezado pelo amor de sua vida. Até
sua solidão monumental no Gólgota atesta a postura poética de seu drama.
A verdadeira poesia não escapa de
retratar paradoxos, pois a vida humana é repleta de contrastes. A personalidade
de Cristo também revela dualismos, pois é um misto de doçura e agressividade. O mesmo Jesus que pegou ao colo criancinhas,
expulsou e chicoteou os vendilhões do templo.
O Filho do Homem não falava para
agradar as autoridades, nem mesmo para conquistar amigos. Na vida artística,
tentar agradar a gregos e troianos significa abrir mão da autenticidade da
obra. As comparações estendem-se à farta. Não é à toa que Oscar Wilde enuncia:
“Vejo uma vinculação bem mais
íntima e próxima entre a verdadeira vida de Cristo e a verdadeira vida do
artista”. Sim, Wilde, Cristo participou da natureza humana e, da mesma forma, a
natureza humana também participa a natureza divina. O homem, com sua natureza
tão dividida entre o divino e o animal, ornamenta-se de beleza quando desperta para
o há que de sensível dentro de em si, ou segundo os religiosos, quando “conhece
a Cristo”.
Autoria do texto: Belinha.