quarta-feira, 6 de abril de 2011

TROVADORISMO

A Revista Sentinela (de set-1995) publicou um texto interessante sobre os trovadores. É uma boca dica de leitura para quem vai estudar o Trovadorismo.


OS TROVADORES, APENAS CANTORES ROMÂNTICOS?

            Trovadores e menestréis errantes __ essas palavras o fazem pensar em quê? Talvez em canções de amor cortês e em cavalheirismo. Você não está errado, mas os trovadores se envolveram com muito mais do que isso. Embora  talvez sejam mais conhecidos pela canção de amor, sendo frequentemente retratados com um alaúde na mão fazendo serenata para uma dama, eles não se preocupavam só com o amor. os trovadores envolviam-se em muitas questões sociais, políticas e religiosas de seus dias.
            Havia trovadores especialmente nos séculos 12 e 13, por toda a região que agora é o sul da França. Eram poetas-músicos que escreviam que era a mais refinada das línguas românicas vernáculas. Era chamada langue d’oc, a língua comum da maior parte da França ao sul do rio Loire e das regiões fronteiriças da Itália e da Espanha.
            Debate-se muito a origem da palavra “trovador”, mas parece que se deriva do verbo occitano trobar, que significa “compor, inventar ou encontrar. Assim, os trovadores conseguiam achar a palavra ou a rima certa para seus versos elegantes. Musicava-se a poesia, que então podia ser cantada. Viajando de aldeia em aldeia, muitas vezes acompanhados por menestréis profissionais, chamados jograis, os trovadores executavam suas canções com harpa, viela, flauta, alaúde ou violão. Nas casas dos ricos, bem como em mercados, torneios, feiras, festivais e banquetes, em geral a música fazia parte do entretenimento.
           
Origens diferentes

Os trovadores tinham as mais diversas formações. Alguns eram de família rica; uns poucos reis; outros tinham origem mais humilde, mas alcançaram posição de trovador. Alguns conseguiram status. Muitos eram instruídos e viajados. Todos eram bem treinados nas regras do galanteio, decoro, poesia e música. Certa fone menciona que se esperava que o bom trovador “soubesse perfeitamente todas as notícias do momento, que repetisse todas as teses notáveis das universidades, que estivesse bem informado sobre os últimos escândalos da corte,...que pudesse compor versos para um cavalheiro ou uma dama num piscar e olhos, e que tocasse pelo menos dois dos instrumentos da moda na corte.
            O desenvolvimento do comércio no século 12 trouxe grande riqueza para o sul da França. Com a prosperidade passou-se a ter mais tempo de lazer, mais instrução e um gosto mais refinado pela arte e vida elegante. Os grandes cavalheiros e damas do languedoc e da Provença eram os maiores protetores dos trovadores. Os poetas eram muitos estimados e passaram a influenciar o gosto, a moda e as maneiras entre os aristocratas. Eles se tornaram os pais da dança de salão europeia. Contudo, The New Encyclopadia Britannica diz que ‘sua grande consecução foi criar ao redor das damas da corte uma aura de refinamento e delicadeza até então nunca vista.
           
Mais respeito às mulheres

O homem que abre a porta para uma mulher, que a ajuda a vestir o casaco ou que faz quaisquer outros gestos de cavalheirismo reconhecidos há séculos na Europa Ocidental, está perpetuando uma tradição que provavelmente começou com os trovadores.
            As atitudes medievais para com as mulheres eram muito influenciadas  pelos ensinos da Igreja, que encarava a mulher como responsável pela incorrência do homem no pecado e expulsão dele do Paraíso. Ela era encarada como a tentadora, instrumento do Diabo, um mal necessário. O casamento era muitas vezes encarado como condição de vida degradada. A lei canônica permitia o espancamento e o repúdio à esposa, o que contribuía para a humilhação e a subserviência da mulher. Ela era encarada, em quase todos os aspectos, como inferior ao homem. Mas, com o surgimento dos trovadores, a mentalidade dos homens começou a mudar.
            O primeiro trovador conhecido foi Guilherme IX, duque de Aquitânia. Sua poesia foi a primeira a conter os elementos que caracterizaram a concepção única dos trovadores sobre o amor, que veio a ser chamado de amor cortês. Os poetas provençais chamavam-no de verai’amors (amor verdadeiro) ou fin’amors (amor refinado).era um conceito revolucionário, porque a mulher não era mais relegada a uma posição de desprezível inferioridade em relação ao homem.
            A poesia dos trovadores dignificava, honrava e mostrava respeito à mulher. Ela se tornou a personificação de qualidades nobres e virtuosas. Algumas canções lamentavam a fria indiferença da dama para com o bardo que a admirava. Pelo menos teoricamente, o amor do trovador devia permanecer casto. Seu objetivo primário não era possuir a dama, mas sim alcançar o refinamento moral que seu amor por ela lhe inspirava. Para tornar-se digno, o poeta era compelido a cultivar a humildade, o autocontrole, a paciência, a lealdade e todas as qualidades nobres que ela possuía. Assim, até o mais rude dos homens podia ser transformado pelo amor.
            Os trovadores achavam que o amor cortês era fonte de refinamento social e moral, que atos cortêses e nobres se originavam do amor. à medida que essa ideia foi se desenvolvendo, tornou-se a base para todo um código de conduta que, com o tempo, foi adotado pelas classes sociais mais baixas. Em contraste com a sociedade feudal, grosseira e brutal, iniciara-se um novo modo de vida. A mulher agora esperava que o homem mostrasse altruísmo, consideração e bondade, que fosse um cavalheiro.
            Logo, boa parte da Europa abraçou a arte dos trovadores. A Espanha e Portugal adotaram sua temática. O norte da França tinha seus trouveres; a Alemanha, seus minnesingers; e a Itália, seus trovatori. O tema do amor cortês dos trovadores, conjugado aos ideais de cavalheirismo, deu origem a um estilo de literatura conhecido como romance. Por exemplo, o trouvere Chretien de Troies misturou o ideal do amor cortês com as lendas celtas da Bretanha para exemplificar, em histórias sobre o Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda, as virtudes da generosidade e da proteção aos fracos.
           
            Ao passo que muitas canções de trovadores louvavam as virtudes do amor cortês, outras tratavam das questões sociais e políticas da época. Martin Aurell, autor francês do livro La vielle et l’épée ( A viela e a espada), explica que os trovadores  ‘participavam ativamente das lutas que dividiam sues contemporâneos e que, por meio de suas composições, até contribuíam para o sucesso dessa ou daquela facção.
            Comentando a posição ímpar dos trovadores na sociedade medieval, Robert Sabatier declara: “Nunca antes os poetas haviam tido tanto prestígio; nunca antes alguém tivera tanta liberdade de expressão. Eles elogiavam e censuravam, serviam de porta-vozes do povo, influenciavam a política e propagavam novas ideias.” __ La poésie du Moyen Age.

            A mídia dos seus dias

            Pode-se dizer que, bem antes da invenção da imprensa, os trovadores e outros menestréis errantes serviam como a mídia dos seus dias. Os menestréis medievais viajavam por vários países. Por todas as cortes europeias, de Chipre à Escócia e de Portugal à Europa Oriental, onde quer que estivessem, eles ouviam as notícias e trocavam histórias, melodias e canções. As melodias dos trovadores, fáceis de lembrar, espalhavam-se oralmente com rapidez de um jogral epara outro, e o povo as aprendia. Isso influenciava muito a opinião pública e incitava a plebe a favor de uma ou outra causa.
            Uma das muitas formas poéticas usadas pelos trovadores é chamada de sirventes, ou literalmente “canção do servo’. Algumas sirventes expunham as injustiças dos governantes. Outras celebravam atos de bravura, altruísmo, generosidade e misericórdia ao mesmo tempo que criticavam a crueldade bárbara, a covardia, a hipocrisia e o egoísmo. As sirvientes do início do século 13 dão aos historiadores uma ideia da situação política e religiosa do Languedoc naquela época de intensa agitação.

            A igreja suprime a liberdade

            A igreja Católica Romana, porém, considerava-se superior a todo império ou reino. A guerra tornou-se seu instrumento de poder. O papa Inocêncio III prometeu toda a riqueza do Languedoc a qualquer exército que subjugasse os príncipes do sul da França e esmagasse a dissensão nos domínios deles. O que se seguiu foi um dos períodos mais sangrentos da história da França, e incluiu torturas e assassinatos. Ficou conhecida com Cruzada Albigense (1209 -29).
            Os trovadores chamaram-na de Falsa Cruzada. Suas canções expressavam indignação contra o tratamento cruel imposto aos dissidentes e contra a oferta do papa de dar a mesma indulgência tanto aos que assassinassem dissidentes franceses como aos que matassem muçulmanos, considerados infiéis. A Igreja enriqueceu muito durante a Cruzada Albigense e com a Inquisição que se seguiu. Famílias foram deserdadas e suas terras e casas, confiscadas.
            Acusados de ser hereges cátaros, muitos trovadores fugiram para terras menos hostis. Essa Cruzada marcou o fim da civilização occitana, de seu modo de vida e de sua poesia. A lei da Inquisição tornou ilegal cantar, ou até cantarolar, uma canção de trovador. Mas o legado deles sobreviveu. Na verdade, suas canções anticlericais prepararam o caminho para a Reforma. De fato, os trovadores não são lembrados apenas por suas canções românticas.

A Sentinela. 1º de setembro de 1995, páginas 27-30.

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