sábado, 2 de abril de 2011

MACHADO DE ASSIS

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS E AS CARACTERÍSTICAS DO ROMANCE MACHADIANO:

* Conversa com o leitor: o narrador prevê as reações dos leitores e orienta-os, sugerindo pular páginas para não se cansarem.

* Ironia, humor e pessimismo ( pena da galhofa e tinta da melancolia)

* Análise refinada do comportamento psicológico dos personagens.

* Presença de triângulos amorosos.

NA FORMA:
* capítulos curtos e numerosos

* Emprego de linguagem culta

* Reflexões do narrador sobre a vida e a obra literária dele, sem ligação com a história


Eu, Belinha, selecionei alguns trechos do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas para ver mais detidamente as características machadianas. Vejam:

IRONIA:
Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos.
Discurso proferido à beira de sua cova: Bom e fiel amigo, não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei. O narrador fala que Sthendal confessara que haver escrito um livro para cem leitores, Brás afirma que seu livro não terá cem leitores, nem cinquenta, nem vinte, quando muito dez. Ou melhor, cinco.

HUMOR: 
Acrescentei um versículo ao Evangelho: Bem-aventurado os que não descem porque deles é o primeiro beijo das moças.

CONVERSA COM O LEITOR E METALINGUAGEM:

Começo a arrepender-me deste livro. Não que ele me canse; eu não tenho o que fazer; e, realmente expedir alguns magros capítulos para este mundo sempre é tarefa  que distrai um pouco da eternidade. Mas o livro é enfadonho, cheira a sepulcro, traz certa contração cadavérica; vício grave, e aliás ínfimo, porque o maior defeito deste livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar; tu amas a narração direita e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem...

PROVÉRBIOS:
Matamos o tempo; o tempo nos enterra
Suporta-se com paciência a cólica do próximo
Crê em ti, mas nem sempre duvides dos outros
Não te irrites se te pagarem mal um benefício: antes cair das nuvens que de um terceiro andar

PSICOLOGIA SOBRE A INFÂNCIA ( o menino é o pai do homem):

Desde os cinco anos merecera eu a alcunha de menino diabo; e verdadeiramente não era outra coisa. Fui um dos mais malignos do meu tempo. Por exemplo, um dia quebrei a cabeça de uma escrava, porque me negara uma colher do doce de coco que estava fazendo, e, não contente com o malefício, deitei um punhado de cinza ao tacho, e, não satisfeito da travessura, fui dizer à minha mãe que a escrava é que estragara o doce por pirraça; e eu tinha seis anos. Prudêncio, um moleque de casa, era o meu cavalo de todos os dias; punha as mãos no chão, recebia um cordel nos queixos, à guisa de freio, eu trepava-lhe o dorso, com uma varinha na mão, fustigava-o, dava mil voltas a um e outro lado, e ele obedecia, __ algumas vezes gemendo__mas obedecia sem dizer palavras, ou, quando muito, um __ai, Nhonhô!__ ao que eu retorquia: __cala a boca, besta!

PESSIMISMO ( capítulo das negativas):

Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria.
Deixe lá Pascal dizer que o homem é um caniço pensante. Não; é uma errata pensante, isso sim. Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes.


CRÍTICAS ÀS INTITUIÇÕES:
A mocidade

A universidade esperava-me com as suas matérias árduas; estudei-as mediocremente, e nem por isso perdi o grau de bacharel. No dia em que a Universidade me atestou em pergaminho, uma ciência que eu estava longe de trazer arraigado no cérebro, confesso que me achei de algum modo logrado (enganado, lesado), ainda que orgulhoso. Comecei u a achar que o Direito não era coisa assim tão séria.

ANÁLISE DO COMPORTAMENTO HUMANO:
A gratificação

O jumento em que Brás vinha montado, empacou e sacudiu Brás para fora da sela, mas seu pé ficou preso no estribo; o animal tentou disparar na carreira, mas foi contido por um senhor que passava pelo local. Agradecido, Brás colocou a mão no colete para tirar umas moedas para gratificá-lo. Hesitou se daria uma moeda de ouro, de prata ou de cobre. Examinou-lhe a roupa e deu-lhe uma moeda de prata. O senhor ficou muito alegre. E Brás arrependido: Meti os dedos no bolso do colete que trazia no corpo e senti umas moedas de cobre; eram os vinténs que eu devera ter dado ao almocreve, em lugar do cruzado de prata. Porque enfim, ele não levou em mira nenhuma recompensa ou virtude, cedeu a um impulso natural, ao temperamento, aos hábitos do ofício; acresce que a circunstância de estar, não amais adiante nem mais atrás, mas justamente no ponto do desastre, parecia constitui-lo simples instrumento da Providência; e de um ou de outro modo, o mérito do ato era positivamente nenhum. Fiquei desconsolado com esta reflexão, chamei-me pródigo, lancei o cruzado à conta das minhas dissipações antigas; tive ( por que não direi tudo?) tive remorso.

CURIOSIDADES MACHADIANAS

A Folha Ilustrada pesquisou em três livros e publicou CEM CURIOSIDADE SOBRE MACHADO DE ASSIS. Selecionei aqui algumas dessas curiosidades:

* Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em 21 de junho de 1839 , na quinta do Livramento, no Rio. Foi batizado em 13 de novembro do mesmo ano, na mesma igreja onde seus pais casaram.

* Em 1855, aos 15 anos, publica o poema “Ela” na Revisa “Marmota Fluminense”, de Paula Brito.  “Com sua boca mimosa/ Solta voz harmoniosa/ Que inspira ardente paixão, / Dos lábios de Querubim...”

* Os escritores Casimiro de Abreu e Machado de Assis nasceram no mesmo ano, com cinco meses de diferença e foram amigos. Casimiro morreu com apenas 21 anos.

* A cerimônia fúnebre de Machado de Assis teve discurso de Rui Barbosa.

* Machado foi enterrado ao lado de sua mulher, Carolina, obedecendo ao seu desejo, no Cemitério São João Batista, em Botafogo, no Rio. Carolina morreu quatro anos antes dele, em 1904.

* No fim de sua vida, Machado de Assis determinou que toda correspondência trocada entre ele e Carolina fosse queimada. Sobraram apenas duas, preservadas por sobrinhas de Carolina.

* O autor quase não viajava mas conheceu muito bem o Rio. Ele e a mulher, Carolina, viveram no centro e na zona sul, na rua das Andradas, das Laranjeiras, de Santa Luzia, da Lapa, do Catete, do Cosme Velho...

* Em 18 de abril de 1862, Machado publica anonimamente , no “Jornal do Povo”, uma carta endereçada ao bispo do Rio, protestando contra algumas formas de culto religioso.

* Não se sabe quantos livros Machado de Assis guardava em sua biblioteca. Em 1936, a herdeira do acervo, Laura Leitão de Carvalho, doou os remanescentes, 647 volumes para a ABL.

* A obra de Machado de Assis entrou em domínio público por decreto do presidente Juscelino Kubitschek, em 1958. Cinco anos antes, o Senado já havia discutido o tema.

* Em 1999, os restos mortais de Machado de Assis e Carolina foram transferidos para o mausoléu da ABL. O jazigo no Cemitério do São João Batista foi vendido em 2001.

* Machado de Assis compareceu ao enterro de José de Alencar, como “representante do Diário Oficial”, em 13 de dezembro de 1877.

* Machado de Assis escreveu cinco livros de poesia, sete de contos, nove de teatro e nove romances em 53 anos.

* Alemão, dinamarquês, holandês, árabe, polonês, romeno, sueco, tcheco e estoniano foram algumas das línguas para as quais o autor foi traduzido.

* “Último” foi o nome escolhido inicialmente para o romance Esaú e Jacó, mas foi trocado em 1904. O romance foi o penúltimo do autor.

* O escritor usou pelo menos 21 pseudônimos ao longo de sua carreira. No fim de vida, publicou crônicas apócrifas em “A Semana”, mas seu estilo já era reconhecido pelos seus leitores.

* Machado escrevia para as revistas “O Espelho”, “Jornal das famílias” e “A Semana ilustrada”, na qual assinava com o pseudônimo Dr. Semana.

* Em 1888, Machado foi condecorado por d. Pedro 2º com a Ordem da Rosa. No ano seguinte, foi indicado para diretor de comércio na Secretaria de Agricultura.

* O autor escreveu mais de 600 crônicas ao longo de 40 anos, tornando-se um dos responsáveis pela popularização do gênero no pais.

* Alguns estudiosos dizem que a última frase do autor foi: “A vida é boa”! O jornalista e principal idealizador da ABL, José Veríssimo, foi o “ouvinte”.

* No final de sua vida, Machado se encontrava com seu amigo Mário de Alencar, filho de José de Alencar, todos os dias na livraria Garnier e jantavam juntos todos os domingos.

* Machado era apaixonado por xadrez. As peças do jogo que pertenceu ao escritor foram esculpidas em madeira e estão em exposição na ABL.

* A mulher de Machado, Carolina, era quatro anos mais velha que ele. O casamento durou 35 anos, até a morte de Carolina. Eles não tiveram filhos.

* O carioca Francisco José de Assis, pai de Machado, era pintor de paredes e descendente de escravos alforriados.

* A mãe de Machado morreu quando ele tinha dez anos.

* A única irmã de Machado, Maria Machado de Assis, dois anos mais velha, e a madrinha dele, Maria José de Mendonça Barroso, morreram em 1845. As duas foram vítimas de sarampo.

* Cinco anos após a morte da mãe de Machado de Assis, causada por tuberculose, seu pai se casou com Maria Inês da Silva, que era lavadeira, cozinheira e doceira.

* Depois da morte da mãe e da única irmã, Machado foi amparado pela madrinha até o segundo casamento do pai. Quando ele morreu, ficou na companhia da madrasta, Maria Inês.

* Machado não teve educação formal e teria trabalhado desde criança, como vendedor de balas e doces feitos por sua madrasta e engraxate. Talvez tenha sido coroinha.

* Machado falava e escrevia em francês e provavelmente aprendeu a língua com um padeiro. O professor seria funcionário de uma padaria em São Cristóvão.
* Machado traduziu o romance “Os trabalhadores do mar”, de Victor Hugo, na juventude, publicado em 1886 pela Perseverança. Estudou sozinho alemão e inglês.

* Em 1869, seu amigo Faustino Xavier morre. Três meses depois, ele se casa com a irmã dele, a portuguesa Carolina Augusta Xavier de Novaes.

O QUE ANDARAM  FALARANDO SOBRE MACHADO DE ASSIS....

A literatura brasileira tem um escritor. Um só. O que fizemos com ele, nos últimos cinquenta anos, foi traí-lo com todos os Escobar que apareceram. Desde que Helen Caldwell, em 1960, negou o adultério de Capitu, moldando Dom Casmurro às suas teorias feministas, Machado de Assis foi raptado pela crítica esquerdista. Em particular, por John Gledson e Roberto Schwarz, que o transformaram ridiculamente num agente da luta de classes, empenhado em denunciar os abusos da classe dominante. Na realidade, Machado de Assis é mais complicado do que isso. Ele é um satirista conformista e resignado, que zomba da mesquinhez de nossa sociedade e acredita que, quando ela muda, muda sempre para pior. A série Capitu festeja o abastardamento da obra machadiana. Machado de Assis sabe bem: de agora em diante, isso só pode piorar. (Diogo Mainardi –Veja)
No livro Dom Casmurro, o relato de Bentinho é espantosamente seco e desencantado. Ele narra sua história apenas para combater o tédio: sem drama, sem sentimentalismo, sem teatralidade. Quando Bentinho descobre que o filho bastardo de Capitu com Escobar morreu de febre tifóide, ele comenta simplesmente: "Apesar de tudo, jantei bem e fui ao teatro".    (Diogo Mainardi, Veja)
O Machado de Assis pessoa física primou pelo respeito tanto à Monarquia quanto à República. Na mocidade, escreveu versos em louvor de dom Pedro II. Na maturidade, foi condecorado pela princesa Isabel. A proclamação da República chocou-o, ainda mais do jeito como se deu – por um golpe militar que expulsou do país um imperador já velho e doente. Logo, porém, conciliou-se com o regime. Em 1897, compareceu à festa de inauguração do Palácio do Catete como sede da Presidência da República. Em sua crônica seguinte, considerou que o evento deixou "impressão forte e profunda" e caracterizou-se por "raro esplendor".     ( Pompeu Toledo, Veja n. 1938)
...que prato não seria o Machado de Assis de carne e osso para o escritor Machado de Assis! Que grande personagem de Machado de Assis não é o Machado de Assis de verdade que viveu no Rio de Janeiro, escreveu livros, amou Carolina e não teve filhos: não transmitiu a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.  ( Pompeu Toledo, Veja n. 1938)

“Eu não teria chamado o Machado mulato [itálico no original] e penso que nada lhe doeria mais do que essa síntese (...). O Machado para mim era um branco, e creio que por tal se tornava [sic]; quando houvesse sangue estranho, isso em nada afetava a sua perfeita caracterização caucásica. Eu pelo menos só vi nele o grego. O nosso pobre amigo, tão sensível, preferiria o esquecimento à glória com a devassa sobre suas origens”.  (Joaquim Nabuco, após a morte de Machado, em carta enviada de Washington, em 25 de novembro, ficou escandalizado ao ver Machado sendo chamado de “mulato”)
“Foi uma delícia para mim ler o novo livro do Machado. Como o escritor é o homem! Com ele se pinta a si mesmo sem sentir!”( Joaquim Nabuco, após a leitura de “Memorial de Aires”, em carta a Graça Aranha)
“Eu conheci essa boa mulata, comendo de estranhos, com amor e conforto máximo, chorando, porém, pelo abandono em que a lançara o enteado de outrora, nunca mais a procurando desde a sua mudança de S. Cristóvão”. Carta aberta de Hemetério dos Santos publicada na Gazeta de Notícias, na qual ele acusa Machado de ter esquecido a mãe preta que o criara. 

"Machado de Assis é uma espécie de milagre, mais uma demonstração da autonomia do gênio literário quanto a fatores como tempo, lugar, política e religião".  (Harold Bloom)
O Jornal UNESP de abril de 2008, suplemento n. 232, entrevistou a doutora em Letras pela Unicamp, Lúcia Granja. Ela falou sobre a obra machadiana. Confira!!!

Jornal UNESP: Qual é o grande legado de Machado, passados 100 anos de sua morte? O que o torna um escritor diferenciado?
Lúcia Granja: Sua obra inclui importantes ideias sobre o Brasil do século XIX e apresenta uma criação literária singular dentro da tímida vida literária brasileira da época. A crítica, com pesquisadores como Roberto Schwarz, Raimundo Faoro, John Gledson e Sidney Chalhoub, vem mostrando que a obra de Machado traz uma reflexão profunda sobre a sociedade brasileira de seu tempo, além de funcionar também em um registro de inventividade literária que tange ao universal e à criação da modernidade no romance.
JU: Como a senhora vê as críticas que definem Machado de Assis como alienado em relação à sociedade de sua época?
Lúcia: Se esperamos que Machado tenha subido em um palanque e falado em nome dos escravos, dos injustiçados, da política econômica inflacionária da República e da não discussão da “inclusão social” dos escravos depois da abolição, estaremos realmente achando que ele foi injusto e despolitizado. Ocorre que estaremos sendo também anacrônicos e, por nossa vez, injustos. Machado tinha, por exemplo, como “palanque”, a luta no jornalismo, como um cronista que, escrevendo quase ininterruptamente entre 1861 e 1897, não poupou as mais agudas críticas às injustiças sociais, desperdícios, inatividade do governo, entre outros temas.
JU: Isso ocorria também em seus romances e contos?
Lúcia: O mesmo ocorreu com a ficção. Em uma sociedade pouco letrada, ele escrevia para as elites, aquelas que fazia questão de “espetar”. No entanto, fazia-o por meio de um texto inteligente e que funcionava esteticamente, politicamente e também, de certa forma, pedagogicamente.
JU: Como isso se dava na prática?
Lúcia: É o caso da intertextualidade, por exemplo. Quando Machado compara um político ao burguês ridículo de Molière, que é uma das estratégias mais simples de construção da ironia, seu texto solicita que o leitor vá além da leitura em superfície e seja capaz de refletir e fazer associações. Não se pode negar, no entanto, que essa estratégia também fazia parte da inscrição de sua literatura em um tempo futuro. Além da função pedagógica de seu texto, em relação aos leitores de seu tempo, Machado deixava em seu texto desafios também a esse leitor extemporâneo.
JU: Por que a obra machadiana foi conquistando um número cada vez maior de admiradores entre a crítica não só nacional como estrangeira? Quais seriam seus principais herdeiros na literatura brasileira contemporânea?
Lúcia: De certa forma, Machado sabia que não seria compreendido em seu tempo e projetou para o futuro o legado de suas idéias de genialidade. Machado, porém, não deixou herdeiros. À parte Guimarães Rosa, não vejo, no século XX, uma obra como a dele.

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