O QUE É LÍNGUA PORTUGUESA?
Língua Portuguesa é o conjunto-universo de todas as variedades de uso de um código comum a todos os brasileiros, sem exluir nenhuma delas.
(definição de Edward Lopes)
Segundo Edward Lopes existem oito variedades discursivas no Português do Brasil:
1) Fala culta formal.
2) Fala culta informal
3) Fala popular formal
4) Fala popular informal
5) Escrita culta formal
6) Escrita culta informal
7) Escrita popular formal
8) Escrita popular informal
É necessário observar que:
a) as fronteiras entre essas variedades são fluidas.
b) todas essas variedades coexistem no dia a dia.
c) além dessas variedades existem línguas-objeto e de metalinguagem elaboradas para fins específicos, como o discurso técnico (culinária, futebol, presos...) e o discurso científico.
O QUE É APRENDER UMA LÍNGUA?
Aprender uma língua significa aprender os usos dela. ( Halliday, 1978, p. 128).
A ESCOLA DEVE ENSINAR A NORMA CULTA?
“A escola pode e deve fazê-lo, até mesmo com prioridade sobre todas as outras variedades de uso do idioma, se se quiser, mas nunca com exclusividade, como tem feito”. (Edward Lopes)
O QUE FAZ UMA OBRA SER LITERÁRIA?
“O que faz d’ Os Lusíadas uma obra literária não é o que ele diz, o seu plano de conteúdo, visto que este, como qualquer outro plano de conteúdo, poderia ser traduzido, igualmente bem por qualquer outra modalidade de discurso, um discurso em prosa digamos. O que faz d’ Os Lusíadas uma obra de arte literária não é o que ele diz, é o como ele diz isso que diz”. ( Edward Lopes)
Edward Lopes é Autor de Fundamentos da linguística contemporânea, considerado o mais completo e sistemático manual de linguística publicado no Brasil. Também é autor de Metamorfoses: a poesia de Cláudio Manoel da Costa e de Discurso, texto e significação: uma teoria do interpretante.
QUE TRATAMENTO A ESCOLA DEVE OFERAR AO TEXTO LITERÁRIO?
Segundo os parâmetros curriculares nacionais do ensino fundamental, o texto literário não deve ser usado como “pretexto para o tratamento de questões como valores morais e tópicos gramaticais”. Na verdade, ele deve ser usado para contribuir com “a formação de leitores capazes de reconhecer as sutilezas, as particularidades, os sentidos, a extensão e a profundidade das construções literárias”.
QUEM FALA BEM, ESCREVE BEM?
Jornalista Margot Cardoso, da Revista Vencer, sobre as duas habilidades:
“Escrever e falar são atividades diferentes. Tanto o ato de escrever como o de falar exigem conhecimentos e treinos específicos”. Ela cita um exemplo de Reinaldo Polito: “O escritor Luís Fernando Veríssimo se preparou ao longo de sua vida para o ato da escrita. Ele é muito preparado intelectualmente, escreve maravilhosamente bem, mas para falar....nada. Já o apresentador Sílvio Santos não tem preparo intelectual, nem escreve, mas fala maravilhosamente bem” .
REFLEXÕES DE MARCOS BAGNO SOBRE A LÍNGUA PORTUGUESA
1) Não existe erro de português. Existem diferentes variedades de português.
2) A ortografia é necessária, mas é criada de modo artificial, ou seja, é fruto de uma decisão política. Ela pode mudar de época para outra.
3) Toda língua muda e varia. O que hoje é visto como certo já foi erro no passado. O que hoje é visto como erro pode vir a ser perfeitamente aceito como certo no futuro da língua.
4) A língua portuguesa não vai nem bem, nem mal. Ela simplesmente VAI, isto é, segue seu caminho, transformando-se segundo suas próprias tendências internas.
5) Respeitar a variedade linguística de uma pessoa é respeitar a integridade física e espiritual dessa pessoa como ser humano digno de todo respeito.
6) O ensino da norma culta tem de ser feito como um acréscimo à bagagem linguística da pessoa e não como uma substituição de uma língua “errada” por uma “certa”.
7) Uma receita de bolo não é um bolo, um molde de vestido não é um vestido, um mapa-múndi não é o mundo...Também a gramática não é a língua. A língua é um enorme iceberg flutuando no mar do tempo, e a gramática normativa é a tentativa de descrever apenas uma parcela mais visível dele, a chamada norma culta.
Marcos Bagno: escritor, professor, tradutor, graduado em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde também obteve o título de Mestre em Linguística com uma investigação sociolinguística sobre o tratamento da variação nos livros didáticos de português. Doutorado em Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP).
LÍNGUA PORTUGUESA (Olavo Bilac)
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Amo-te assim, desconhecida e obscura.
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
em que da voz materna ouvi: "meu filho!",
E
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
DECLARAÇÃO DE AMOR (autoria: Clarice Lispector)
Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de sentimento e de alerteza. E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo.
Às vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado. Às vezes se assusta com o imprevisível de uma frase. Eu gosto de manejá-la – como gostava de estar montada num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às vezes lentamente, às vezes a galope.
Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao máximo nas minhas mãos. E este desejo todos os que escrevem têm. Um Camões e outros iguais não bastaram para nos dar para sempre uma herança da língua já feita. Todos nós que escrevemos estamos fazendo do túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida.
Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do encantamento de lidar com uma língua que não foi aprofundada. O que recebi de herança não me chega.
Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever, e me perguntassem a que língua eu queria pertencer, eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como não nasci muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro para mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário