domingo, 24 de julho de 2011

RACHEL DE QUEIROZ

UM RETRATO DE RACHEL DE QUEIROZ


Texto: Belinha


Rachel de Queiroz sempre foi ávida leitora. Em sua casa, todos liam bastante. Ao cinco anos, leu “Ubirajara”, do José de Alencar, mesmo sem entender uma palavra. Mas ela garantiu que não leu “A bagaceira”, antes de escrever O Quinze. Admitiu que já havia lido romances naturalistas de Domingos Olímpio, mas a fixação pelo assunto da seca atribuiu ao fato de que esse era um tema permanente no nordeste. Rachel tinha apenas quatro anos na época dessa seca, mas se lembrava de quando ia a Fortaleza com suas tias aos terrenos onde se recolhiam as vítimas dessa tragédia. Contava com 19 anos ao escrever O quinze, mas já possuia a experiência de trabalhar em um jornal, portanto, já era uma profissional da palavra.
A escritora se dizia muito exigente em relação ao próprio trabalho literário. Certa vez contou que a primeira crítica que recebeu de Maria Moura foram uns comentários contundentes da Veja e, o pior que Rachel, no seu perfeccionismo, considerou que o jornalista tinha toda razão. Isso a deixou mal por uma semana. Da mesma forma, nem mesmo as adaptações de sua obra para a TV a deixava satisfeita. A adaptação de Memorial de Maria Moura, por exemplo, tinha muito sexo e violência para seu gosto.
Rachel sobreviveu por mais de trinta anos como tradutora. Dostoiévski e Tolstói foram alguns dos autores traduzidos. Mas como era amiga de José Olympio, escolhia livremente os livros que desejava traduzir. Através da tradução, ela foi travando contato com os procedimentos dos autores traduzidos. Isso, segundo ela, fazia com que se sentisse como alguém desmanchando o crochê alheio.
Para quem acha que por ser a primeira mulher a ocupar a Academia Brasileira de Letras, cadeira n. 5,  Rachel se sentia como uma feminista, ledo engano. Ela dizia ter horror às feministas, por considerar o movimento feminista como distorcido em seus estandartes. Apesar disso, ela acreditava, sim, na existência de uma escrita feminina, pois no seu entender, o mundo masculino e o mundo feminino têm cada um seu caráter peculiar.
Rachel não demonstrava falsos idealismos com relação à arte literária. Para ela, a literatura não transforma ninguém, pois não é essa a função da arte.
A escritora era fã de Manuel Bandeira, de quem foi amiga até a morte deste. Também teve amizade Carlos Drummond de Andrade, mas sem a mesma intimidade que havia em relação a Bandeira. Quando interrogada sobre seus próprio pendor poético, ela confessa que tentou fazer poesia, mas achava tão ruim o que fazia que escondia.
Rachel escreveu “O quinze” à mão, de lápis, à luz de um lampião e ainda por cima doente. Os próprios pais emprestaram-lhe dinheiro para a edição de mil exemplares da obra. Tempos depois ganhou uma máquina de escrever elétrica, que tornou-se sua companheira de criação artística. Mas ainda continuava corrigindo à mão, após isso sua secretária transpunha tudo para o computador.
Quanto às suas origens judaica, acreditava que apareciam mais no seu modo de ser que em sua obra literária. Sentia orgulho de existir uma creche em Israel com seu nome _ era uma homenagem de um grupo de amigos.
Rachel fez parte do comunismo, mas afirmou que foi por pouco tempo porque, afinal, eles tentaram pôr censura em um de seus livros (João Miguel). Isso, contudo, não a impediu de ser fichada pela polícia de Pernambuco, sob a alegação de ser uma “agitadora comunista”. Mas ela garantiu que não tinha posição política ao escrever “O quinze”. Admite que mais tarde conspirou com os generais para a derrubada do Jango porque acreditar que ele representava a ditadura do Getúlio. Ela era amiga de muitos generais e parente de Castelo Branco, os dois tratavam-se como primos. Em sua casa, os amigos generais se reuniam para fazer o debate da situação política. Mas advirta-se, que após a queda de Castelo Branco, ela nunca mais apoiou o regime militar.
Rachel conheceu o padre Cícero em 1930. Ele era amigo de seu pai e dos seus tios. Ela o chamava de padrinho e admirava sua inteligência. Segundo ela, sua relação com ele era mais por simpatia, pois não era religiosa.
A escritora cearense revelava ser cética em relação ao ser humano, de quem dizia não acreditar. Por outro lado, mostrava-se otimista em relação ao Brasil e aos brasileiros. Sentia-se bem tanto no Rio, como em São Paulo ou Goiás, terra de seu segundo marido.    
Acreditava que a educação era o problema mais sério do país, apesar de deixar claro que não sabia as soluções.
Não obstante seu enorme talento e o fato de ser descendente de José de Alencar, ela não acreditava ser uma romancista nata. Achava que seus romances eram formas de exteriorizar seu ofício, o jornalismo. Chegou até afirmar que não gostava de escrever, fazia isso como forma de sustento. Mas à sua modéstia se casava o perfeccionismo: nunca considerava um livro esgotado em sua escrita. Era preciso que lhe arrebatassem o material das mãos. Também era crítica do trabalho dos amigos: não via Mário de Andrade e Oswald de Andrade como poetas. Mas como era educada, só revelou isso após a morte deles.
            Rachel faleceu em 4/11/2003, em sua própria casa no Rio de Janeiro, enquanto dormia em sua rede. Ela partiu aos 92 anos, vítima de um infarte. Antes disso, ela havia sofrido um derrame, em 1999. Seu velório foi na Academia Brasileira de Letras. “A Gente nasce e morre só. E talvez por isso mesmo é que se precisa tanto de viver acompanhado”, disse uma vez. É verdade. Mas seus livros ainda serão por muito tempo boa companhia para muita gente.



Fonte de pesquisa:
1) Cadernos de literatura brasileira. Rachel de Queiroz.

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