quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

3 x 4 com Ferreira Gullar

As respostas a seguir foram proferidas por Ferreira Gullar em entrevistas concedidas a vários meios de comunicação, entre eles, o “Jornal de poesia”, de 08.09.2005; “Revista Poesia Sempre”, de 09.03.1998; “Cosacnaify” (não tenho a data); “Jornal Bafafá”, de 16.10.2005; Faculdade Casper Líbero; Revista Isto é edição 1870 (entrevistadora Eliane Lobato); Revista Cult (Agosto de 2002); “Folha Ilustrada” de 07/02/2002. Algumas respostas tiveram partes suprimidas por tratar-se de uma espécie de 3 x 4, sem contudo, alterar, modificar ou substituir as palavras do poeta. O objetivo desse apanhado/miscelânea é meramente didático, para divulgar e facilitar o acesso dos estudantes e pessoas em geral ao conhecimento desse maravilhoso poeta; porém, se por qualquer motivo relacionado a direitos autorais, for necessária a retirada deste material do blog, estamos à disposição.    (Belinha)


Nome: José Ribamar Ferreira.
Origem: São Luís, Maranhão.
Nascimento: 10/12/1930.
Pais: Newton Ferreira e dona Zizi.
Seu primeiro contato com poesia foi: aos oito anos, ao escrever um poema sob encomenda para um espetáculo de circo que a irmã montou no fundo do quintal.
Estreia na poesia: livro Um pouco Acima do Chão, em 1949. Eu tinha dezenove anos de idade, é um livro tolo, imaturo.
Como nasce o poema: O meu poema nasce do espanto.
Livro que marcou sua obra: Poema Sujo, de 1976. Eu escrevi o Poema como se pudesse ser a última coisa que faria, por isso, a ideia de fazer um resgate de toda minha vida, dar o meu testemunho final.
O contexto de Poema Sujo foi: O poema Sujo foi escrito nas condições do exílio. Ele pode ser visto como uma forma de resistência ao regime porque contém nele a afirmação da liberdade, da vida, da existência, das coisas necessárias à vida normal de qualquer cidadão.
Seu primeiro emprego foi: Aos 18 anos, na Rádio Timbira como locutor. Naquela época os locutores tinham uma entonação especial, uma voz colocada. De algum modo isso ficou como padrão e essa impostação me irritava. Acabei criando problemas lá e saí.
Por que se tornou poeta: Eu descobri a poesia talvez por não ter o que fazer da vida. De todas as profissões conhecidas, eu não queria nenhuma. Eu estava rejeitando um tipo de ocupação normal das pessoas e poderia virar pintor, qualquer coisa assim, mas virei poeta. Até que tirei 9,5 numa redação sobre o Dia do Trabalho. Pensei: Já que é assim, vou ser poeta. Eu tirei 9,5 porque tive dois erros de português. E pensei: Bom, se eu quero ser poeta, não posso errar português. E passei dois anos seguidos só lendo gramática.
Tempo que leva para escrever poemas: Quando eu era jovem, escrevia com mais rapidez. Mas hoje tenho muito mais dificuldade para escrever, refaço 15,20 vezes. E mudo muito.
Por que foi morar no RJ: Primeiramente fugi. Fugi da quintanda (do pai), da família, da vida sufocante e pouca. Fugi pela poesia.
A adaptação no RJ: O Rio de Janeiro daquela época era mais fácil, mais tranquilo, menos violento e não tive dificuldade em me adaptar.
Sua passagem pelo jornalismo: Eu trabalho em jornal desde que eu vim para o Rio em 1953, quase sempre como redator, copidesque. Fora isso fazia colaborações como crítico de arte, cronista, articulista. Fui jornalista profissional mais de 30 anos na Manchete, Diário Carioca, Jornal do Brasil, Diário de Notícias e Estado de São Paulo.
Religião: Não tenho. Infelizmente.
Deus: Nós inventamos Deus. Não existe. Mas a religião é fundamental. As precisam dela. Não é por acaso que a religião sobreviveu a todo materialismo. Ela é fundadora e preservadora dos valores sociais.
O que acha do concretismo: O concretismo é uma bobagem. Eu participei da experiência concretista no começo, e era uma tentativa de se responder a um impasse ao qual a Geração de 45 tinha conduzido a poesia brasileira. A poesia concreta é o formalismo da Geração de 45 levado às suas últimas consequências.
Como se chega à poesia: Se você não chega à emoção você não chega à poesia. O próprio Valéry, um poeta cerebral, ele só é poeta quando atinge, através daquilo, a emoção.
A importância da poesia social em sua obra: A fase estritamente política de minha poesia é muito reduzida, e o número de poemas realmente políticos é insignificante. Mas os críticos, de repente começam a me colocar como se eu fosse um poeta político porque, como cidadão, fui realmente muito atuante.
Como vê o cordel no universo da poesia: Do ponto de vista da elaboração literária há uma perda. Porque o que caracteriza o cordel como toda arte popular é que eles são feitos de estereótipos.
Por que fez cordel: Não escrevi esses poemas achando que estava fazendo literatura. Tinha obrigação de usar meus recursos de poeta para contribuir para a conscientização das pessoas, do povo mal-informado, que não sabia o que estava acontecendo.
O que acha da Academia de Letras: Eu acho que a Academia e Poesia são incompatíveis. Eu não tenho nada contra Academias, mas acho realmente que a cultura tende a se institucionalizar.
Poeta consagrado com o qual teve mais proximidade: Eu nunca me aproximei dos grandes poetas da época. Com quem eu tive uma certa proximidade foi com o Murilo Mendes, mas porque ele era amigo do Mário Pedrosa, e dele eu me aproximei porque ele não era poeta, mas crítico de arte.
Manuel Bandeira para você: Eu o conheci porque eu trabalhava no jornal do Brasil e ele era colaborador do jornal. Era um simpatia de pessoa.
João Cabral de Melo Neto: Eu tenho muita simpatia pelo João Cabral. Apesar dessa imagem de poeta cerebral, quando eu o conheci, o jeito dele me lembrava muito o meu pai. Aqueles braços magros, a maneira de falar, era igualzinho meu pai. Por isso, eu sempre me senti muito à vontade com ele.
Drummond: O Drummond era uma pessoa mais fechada. Com o tempo também nos conhecemos através de encontros ocasionais, no lançamento de livros dele em enterros de amigos comuns...Havia uma relação carinhosa e respeitosas entre nós. Eu o respeitando como um grande poeta, como um mestre, e ele sendo gentil comigo.
Oswald de Andrade: O Oliveira Bastos, que era meu amigo e crítico literário, tinha dado ao Oswald uma cópia datilografada de A luta corporal; ele ficou entusiasmado e quis me conhecer. Em 1953, no dia do meu aniversário, ele foi a minha casa levado por Bastos. Levei um susto enorme. Ficamos amigos. Eu gostava muito da poesia dele, pela irreverência, por aquela linguagem que tem gosto de capim verde, que voltava a um frescor que a literatura tinha perdido.
Importância dos modernistas em sua obra: Se eles não tivessem existido, minha poesia seria outra. Sou herdeiro deles _ Bandeira, Drummond e principalmente João Cabral. A poesia é isso mesmo, você aprende com o que lê. Só um maluco diria que é original.   
Primeira tentativa de vocação artística: ser pintor. Mas não era bem uma opção, porque eu passei bom tempo tentando fazer as duas coisas.
Estilo que segue na pintura: É apenas para me ocupar, não tenho preocupações. Faço pelo prazer de fazer, me entretenho com isso. Às vezes passo meses sem pintar e às vezes passo meses pintando ou desenhando.
Como vê o momento literário no Brasil hoje: É muito difícil fazer generalizações. Há momentos em que, não se sabe por que, se produz muita literatura, e há momentos em que se produz quase nada. Ninguém sabe o que determina isso. Claro que você não pode produzir livros se não tiver recursos; mas você pode ter recursos e não produzir. Todo mundo sabe que a criação artística é individual. Você pode até trabalhar em equipe, mas é uma soma de individualidades criadoras. Não existe a criação coletiva em si mesma. Então o que importa, é que agora um poeta, um garoto de 17 anos, esteja lá no interior do Rio Grande do Sul, ou de Pernambuco, fazendo uma grande poesia que nós ainda não conhecemos.
Estilo de música de que gosta: Há coisas de que não gosto. A música muito frenética, muito intensa, muito inquieta.
Quando ouve música: Quando entro no carro, ligo logo o rádio e só ouço música clássica. E não ouço música popular no carro porque a maioria é insuportável, é muito ruim. A música popular de hoje está muito pobre, e a letra, pior ainda.
Cantores preferidos: Os grandes compositores, como Chico. E tem aí o maranhense Zeca Baleiro.
O que é arte:  Arte é elaboração. Nem todo mundo é capaz de realizar uma obra artística. Agora, se arte é pegar um trilho, amarrar num barbante e pendurar no teto, então todo mundo faz arte. Mas se arte é o que concebo, ou seja elaboração consciente de uma linguagem, já que os significados são criação do ser humano e não se encontram soltos pelo ar, então nem todos são artistas.
Projeto que pretende trabalhar em sua poesia: Eu não tenho projeto. Aliás, nunca tive. Outros poetas têm, mas isso é uma coisa que depende de cada um, da necessidade de cada um.
Diferença entre letra de música e poesia: Letra de música não é poema. Pode conter poesia, como o poema a contém ou não. Mas são gêneros específicos.
O que acha do sofrimento: O sofrimento não tem valor. Que cada um faça dele o que quiser. Há um poema meu que termina com esses versos: “As baratas lá no fundo do esgoto estão olhando a luz, / querem ser felizes.” Eu quero a felicidade, e não o sofrimento.
Como foi viver no exílio: Fui para o exílio para escapar da prisão e das consequências, que naquela época podiam ser a tortura e morte. Eu estava procurando salvar minha vida. Mas em seguido começou outro problema, que é o de viver uma vida que não é sua, fora de seu país, distante da família, dos amigos da sua cultura. Para mim foi também um grande sofrimento.
O que faz com os poemas de que não gosta: Na maioria das vezes, eu sequer termino de escrever esses poemas. Pressinto que não vai dar certo e paro.
O que mais admira no Brasil: O povo com sua riqueza, a sua capacidade de enfrentar as dificuldades. O verdadeiro herói nacional é o povo brasileiro. Cada um em cada momento, enfrentando as dificuldades mais terríveis, tendo suas casas destruídas por enchentes. Gente que morre nessas tragédias que no fundo são consequências da miséria e da pobreza. E apesar de tudo tem alegria, é criativo.
O que mais abomina: A hipocrisia nacional, o país em que todo mundo é de esquerda, moderno, avançado.
O que pensa da morte: Eu me preocupo mais com a morte do meu gato do que a minha. Mas vejo a morte de forma tranquila. Quem morre, acaba; é como se tivesse existido. Por isso, digo que o sentido da vida são os outros. A morte é como um cochilo. O ruim é morrer sofrendo, ficar numa cama com dores, agulhadas. Aí é barra pesada.
Drogas: Meus dois filhos forma destruídos pela droga. Um morreu aos trinta e poucos anos (Marcos, em 1990) e o outro ficou esquizofrênico (Paulo), entrou num surto do qual nunca mais saiu. Eu sei do que estou falando: é uma coisa muito grave. Eu sei que não é politicamente correto falar contra droga porque muitos que nos cercam são usuários. Mas essa pessoas estão erradas e deveriam assumir o compromisso que têm com a sociedade.
Ferreira Gullar, o que você acha do Ferreiro Gullar: A única coisa que quero ser no mundo é o poeta que sou. Só isso. O único orgulho que tenho na vida é o de ser isso e apenas isso. Se não puder sê-lo, ou se não o consegui, tudo bem, mas foi o que tentei desde aqueles tempos em que a poesia me chamou em São Luís do Maranhão.

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