DIÁLOGO MALUCO
(Caetano
Veloso x Carlos Drummond de Andrade)
Texto:
Belinha (Minha homenagem a essas duas feras da música e da literatura)
Caetano Veloso: Eu vou fazer uma canção pra ela, uma
canção singela, brasileira.
Drummond: Não cantarei amores que não tenho.
Caetano Veloso: Eu vou fazer um iê-iê-iê romântico.
Drummond: Não serei o cantor de uma mulher, de
uma história.
Caetano Veloso: Não me venha falar da malícia de toda
mulher.
Drummond: Tenho apenas duas mãos e o sentimento
do mundo.
Caetano: Uma loura tem que comer seu coração.
Drummond: Preparo uma canção em que minha mãe
se reconheça.
Caetano: Talvez eu seja o último romântico.
Drummond: Que pode uma criatura senão, entre
criaturas amar?
Caetano Veloso: Eu vou fazer uma canção de amor.
Drummond: Amor é privilégio de maduros.
Caetano Veloso: Eu sigo apenas porque gosto de
cantar.
Drummond: A canção absoluta não se escreve.
Caetano Veloso: Tudo é perigoso, tudo é divino e
maravilhoso.
Drummond: Jamais ousei cantar algo de vida.
Caetano: Tolice é viver a vida assim sem
aventura.
Drummond:
Sim, meu coração é muito pequeno.
Caetano: Quando você me ouvir cantar, venha
não creia eu não corro perigo.
Drummond: Vontade de cantar. Mas tão absoluta
que me calo, repleto.
Caetano: Precisa ter olhos firmes.
Drummond: Em verdade temos medo.
Caetano:
Navegar é preciso, viver não é
preciso.
Drummond: Refugiamo-nos no amor, este célebre
sentimento.
Caetano: Uma tigresa de unhas negras e íris
cor de mel, uma mulher, uma beleza que me aconteceu.
Drummond: Amor, a descoberta de sentido no absurdo de
existir.
Caetano: Ela comeu meu coração, trincou,
mordeu, mastigou, engoliu.
Drummond: O amor profundo deixa raízes.
Caetano: Quando eu chego em casa nada me consola.
Drummond: Viver é torturar-se, consumir-se.
Caetano: As garras da felina me marcaram o
coração.
Drummond: inútil você resistir ou mesmo
suicidar-se.
Caetano: E eu corri pra o violão num lamento
e a manhã nasceu azul.
Drummond: Sossegue, o amor é isso que você está
vendo.
Caetano: Juro que não presto, eu sou muito louco.
Drummond: Os homens preferem duas.
Caetano: Eu nunca quis pouco, falo de
quantidade e intensidade
Drummond: Entretanto você caminha melancólico e
vertical.
Caetano: Mas eu também sei ser careta, de
perto ninguém é normal.
Drummond: Todo ser humano é um estranho impar.
Caetano: Eu sou um leão de fogo.
Drummond: Teus ombros suportam o mundo.
Caetano: Por isso uma força me leva a cantar.
Drummond: Tu sabes como é grande o mundo.
Caetano:
Por isso é que eu canto, não posso parar.
Drummond: Então meu coração também pode
crescer.
Caetano:
Não me amarra dinheiro não, mas formosura.
Drummond: Assim nos criam burgueses.
Caetano: Lágrimas encharcam minha cara.
Drummond: Como nos enganamos fugindo do amor!
Caetano: Ah, bruta flor do querer!
Drummond: Este é tempo de partido, tempo de
homens partidos.
Caetano:
Existirmos – a que será que se
destina?
Drummond:
Vadiar, namorar, namorar, vadiar.
Caetano: Esse papo já ta qualquer coisa. Você
já tá pra lá de marrakesh.
Drummond: Eta vida besta, meu Deus.
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