sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

POEMA AS ÁRVORES DA SERRA, DE AUGUSTO DOS ANJOS

A árvore da serra  

— As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!

— Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pôs almas nos cedros... no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minh'alma! ...

— Disse — e ajoelhou-se, numa rogativa:
«Não mate a árvore, pai, para que eu viva!»
E quando a árvore, olhando a pátria serra,

Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!

Análise

Nesse poema, pai e filho discutem a respeito do destino de uma árvore: o pai deseja cortá-la, o filho tenta impedi-lo. Mas vamos por partes: no primeiro verso, ao dizer que as árvores não têm alma, o pai argumenta a favor daquilo que pretende fazer: cortar a árvore. Se árvores não possuem alma, ela não sofrerá. Nada saberá, nem sentirá do que lhe fizer. E sendo ela um empecilho, não haveria motivo para poupar-lhe. Não é dito que espécie de empecilho é esse. Estaria a árvore obstruindo a visão de sua janela? Estaria derrubando folhas em excesso? Atrairia insetos indesejáveis? Nada disso parece ser o caso, pois ela carrega um problema maior: a velhice calma daquele pai depende da eliminação dessa árvore. Se sua velhice tranquila está em jogo, todas essas hipóteses aventadas não justificariam a importância capital de destruí-la. Haveria uma razão maior para destruir a árvore, algo não relacionado aos pequenos inconvenientes que uma árvore normalmente pode apresentar. E o problema encontra-se a tal ponto, que não basta eliminar suas folhas, seus galhos, sua copa, ou eventuais frutos, é preciso arrancar a árvore inteira. Sua velhice, reitere-se, não será tranquila sem isso.
Por outro lado, o filho não enxerga nenhum perigo trazido pela árvore e, portanto, indaga ao pai o porquê de não acalmar sua ira. Ao usar o termo “ira”, percebe-se que o pai não está falando ou agindo calmamente, está tomado de fúria, pois ira é uma reação enérgica, portanto desfaz-se a impressão de uma discussão totalmente pacífica. O filho tenta apaziguá-lo: "não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!" O termo "mesmo"dá ideia de que está sendo feita uma comparação. Para o filho, todas as coisas se revestem da mesma importância e possuem a mesma beleza. Ele rejeita a superioridade de um ser a outro. Tanto as coisas humildes, como o junquilho (espécie rústica de capim), como as glamourosas, como o cedro, possuem alma feita por Deus e têm direito de existir. É como se seu pai privilegiasse as coisas mais elevadas, mais orgulhosas, “os cedros” da vida, em detrimento das simplórias. O filho, inconformado e tentando demover o pai de ideia, derrama seu ser: "esta árvore, meu pai, possui minh'alma!" Para ele, a árvore era mais que querida e amada, possuía sua alma. Valia mais que uma joia.
Num ato de desespero, ele se ajoelha, se humilha e lhe suplica que não mate a árvore, no seu dizer, “para que ele viva”. A vida dele depende da vida da árvore. Sem ela, não conseguiria viver. Mas, o pai, indiferente e resoluto, corta a árvore com um machado bronco. O machado é qualificado como bronco para mostrar o quanto aquele ato era brutal e assassino. Quando a árvore caiu, o moço triste se abraçou ao tronco, caindo também. E assim como ela, nunca mais se levantou da terra, pois a ligação com aquela árvore era de um afeto inigualável.
Mas que estranha interferência tem uma árvore na vida de uma pessoa? Só se essa árvore não fosse for simplesmente uma árvore, mas uma alegoria para representar algo. Será? Dizem que árvore era Francisca, uma moça por quem Augusto dos Anjos fora apaixonado. Ela foi descrita como um “junquilho”, pois era apenas filha do vaqueiro da fazenda dos pais de Augusto. Mas a mãe do poeta, de família de estirpe, não aceitava a união dos dois. Pretendia um casamento melhor para seu filho. Casar-lhe com um alguém de sobrenome e sangue de “cedro”. O pai de Augusto era a favor do filho, daí a esperança deste em dirigir-lhe súplicas. No entanto, era um omisso, fazendo tudo que sua esposa desejava, por isso o destino fatídico da “árvore” não foi mudado. Não há pesquisas suficientes para atestar a veracidade biográfica desse caso, embora haja quem diga que na época, todos no recanto paraibano onde Augusto viveu conhecessem a história. Se esse idílio trágico tiver de fato acontecido, o poema envolve-se de uma luz que o torna mais compreensível e dramaticamente mais belo. Entende-se então porque o moço triste nunca mais se levantou: com uma perda tão grande, a morte de sua amada, ele sentia-se realmente morto. Mas se for apenas uma lorota, ela não retira a bela camada psicológica do poema, uma vez que existe uma insólita e intensa ligação entre o moço e a árvore.

Nota: os boatos que dão contam dessa namorada de Augusto e da morte premedita dela fazem parte de um ensaio de Soares Feitosa, publicado no Jornal de Poesia, Ensaio que, recomendo a todos os fãs de Augusto dos Anjos.

Belinha. (autora do blog Estação da Palavra)